
Resolvi largar de você. Nada fiz. Não lustrei sapatos, nem arrumei estantes. Dormi. Acordei. Nem chorei. Olhei para o lado. Cama enorme, vazia. Nem eu me sentia estando ali. Queria a certeza de nunca mais acordar te vendo. Olhei, sulquei a cama com minha dor, mas não chorei. Levantei e saí do quarto. Não fui banhar-me. Recusei-me a fazer a rotina da lembrança. E por outro lado, sei que não suportaria novidades. Nem a rotina, nem a saudade. Não fui ao banho. Nem me lavei, nem chorei. Estava procurando sonhos, tentei não achá-los. E não achei. Preciso desistir de você. Não vou à praia. Nem poderia. Feito vento ou chuva mansa na água fria, fui me respingando de você, quando ainda existia em mim. Quando eras meu e eu só tua. Possessivos corações, ardorosas mãos... precisava, eu sabia... deixar você. Muitos foram os dias, vários os meses, poucos os anos, em que segredei, só a mim, que tinha você. As marcas do teu amor, nunca ostentei, eram minhas, muito nossas. Uma felicidade que nunca dividi. Estive com você sem que os outros, todos os outros, soubessem. Meus suspiros agora preenchem este espaço. Não consigo andar pela casa sem tropeçar em alguns, pisar em outros. Mas não chorei. Não vou chorar. Minha cabeça dói e não há aspirina que resolva. Você ainda não sabe, mas larguei de você. Silenciei. A mim e a você. Tenho, você bem sabe, pavor. Não agüento a dor, tenho medo da solidão, dos sentimentos. Não agüento me ver amiga dos amigos, já que eles não sabem. Terei que ser uma não-eu, uma outra, aquela que eles conheciam sem saber que eu já era tua. Sem nem você saber, já te quero de volta. Mas não posso. Larguei você. Você ainda não sabe. E quando souber, estarei tão bem, tão boa, que terei largado de você sem dor. É o que pensará. Não tenha dó de mim. Nunca tenha. Nunca saberá o quanto deixei de mim em ti. Não quero viver sozinha. Nunca quis. Mas vivi. Eu nem te conhecia. Nem me conhecia. Nem me conheço mais. Nunca soube quem eu era. Precisei deixar-me cair em você para saber do não, do não sei, do talvez. Tudo isso para saber que alguma vez... não tua. Nem de minha. Sou nada de ninguém. E foi para me encontrar que resolvi remediar minha vida com a tua ausência. Mediquei-me sem conhecimento algum, longe das doutrinas que você me ensinou. E Aristóteles, tão falado por ti, que me perdoe, mas o amor jamais pertencerá às doutrinas da lógica e da ética. Nem filosóficas, nem pragmáticas, nem de tudo o quanto me falavas. Quem sabe um dia eu me encontre. Mas será sem você.